A IMAGEM DE DEUS NA HUMANIDADE: BREVE ANÁLISE DA MISSÃO DA IGREJA A PARTIR DE UMA RELEITURA DE GÊNESIS 1.26-28

18/04/2015 13:16

THE IMAGE OF GOD IN HUMANITY: 

BRIEF ANALYSIS OF MISSION OF THE CHURCH FROM A REREADING OF GENESIS 1.26-28

 

1.      A IMAGEM DE DEUS COMO UM PRESSUPOSTO DA MISSÃO

 

A narrativa da criação contempla muitos temas, dentre eles verifica-se o tema da imagem de Deus. O texto do Antigo Testamento apresenta Elohim como Deus missionário já em Gênesis 1.26,67. Na criação o termo  imagem parece ser o elo de ligação entre a postura de Deus diante da criação e postura do homem diante como criatura.

 

A expressão “imagem de Deus”צֶלֶםאֱלֹהִים[1] aparece no último dia da criação, ali é possível contemplar o ápice da criação divina na frase que aparece em Gênesis 1.16, “Façamos o homem à nossa imagem, conforme a nossa semelhança”.[2]Aqui neste texto, Elohim encerra sua grande obra com um toque pessoal. Desta forma, o homem é único ser dentre toda a criação, em que a narrativa apresenta como aquele que possui imagem e semelhança divina.

 

Ter a imagem significa também, que “a humanidade tem um chamamento representativo para reinar como Deus reina”[3]. Este é também um pressuposto da imagem no homem: a representatividade fiel do seu Senhor. Assim, uma igreja missionária trabalha na criação para expandir o Reino de Deus na certeza de que a humanidade é comum, ou seja, toda criação foi feita pelos mesmos pressupostos, e em Cristo a criação pode ser redimida e sua imagem, que foi alterada, pode ser reconfigurada, como observa Christopher Wright em sua obra “A missão de Deus” no que ele chama de “ética criacional”.

 

[...] temos o mesmo criador, Deus. Assim, sejamos ricos ou pobres, escravos ou livres, oprimidos ou opressores, somos todos igualmente obra das mãos de Deus. O que fazemos a outro ser humano, portanto, estamos também fazendo ao próprio Criador: eis um princípio ético profundo, que o próprio Jesus adotou e reconfigurou em relação a si mesmo.[4]

 

Em termos bem simples, ter a imagem de Elohim significa ser parecido com Ele. O ser humano não se parece com Ele no sentido de que a aparência humana define Deus, como se o formato do corpo humano seja uma representação divina. É preciso considerar que “Deus é espírito”[5] e portanto existe sem um formato corporal. Esta aparência está relacionada ao privilégio humano de serem ajudadores de Deus no trabalho missional, como explicam Ferreira e Myatt:

[...] Ao criar o homem e a mulher à sua imagem, e ao lhes conceder características, habilidades e funções, ele os dotou com privilégio e a responsabilidade de serem seus co-trabalhadores nas tarefas a serem executadas na criação. Por isto, à medida que a imagem de Deus é renovada nos cristãos, estes devem dar expressão aos mandados espiritual, social e cultural, glorificando a Deus, constituindo família, vivendo em comunidade e envolvendo-se criativamente com todas as esferas seculares, tais como a política, o trabalho, a educação, as artes, o lazer, a tecnologia, a indústria.[6]

 

Assim, a imagem de Elohim no ser humano se refere aquilo separa o homem do mundo animal e o restante da criação, e o encaixa em Seu projeto missional, no domínio de Deus como Rei e Senhor da criação, e o capacita a ter comunhão com seu Criador, desta forma a imagem é uma imagem refletida de forma moral e social.

 

O ser humano foi criado para um projeto em que, ao mesmo tempo em que é resultado do projeto, é também responsável para transmitir aos seus semelhantes o projeto divino através dos dons a ele distribuído como ferramentas da missão, como Louis Berkhof enfatizou:

 

[...] o homem é a imagem de Deus, e isto significa que o homem tem certos dons, como conhecimento verdadeiro, justiça, santidade, poderes intelectuais, liberdade moral e elementos como espiritualidade imortalidade. Esta visão enfatiza que o homem tinha estes elementos dentro de si e estes elementos o distinguiam dos animais. [7]

 

O homem foi criado como um ser que teve esta imagem ofuscada pelo pecado no contexto da queda, porém, todos os que se reaproximam de Deus, através do evangelho, são restaurados em Sua imagem, recebem novamente estas ferramentas que o capacita a expandir o Reino de Deus no mundo. 

 

Como verifica-se em Genesis 1.26-27, a dominação e o cuidado da criação deve ser refletido a partir do pressuposto imagético; o ser humano entendidocomo imagem de Deus para que dominasse a terra e sobre os animais presentes nela e no céu, de forma que ele seja o representante de Deus para reinar e estender o reino de Deus na terra.[8]

1.      A IGREJA COMO REPRESENTANTE DE YAHWEH NO MUNDO

 

O servo de Deus é aquele que foi criado em justiça e perfeita inocência, um reflexo da santidade de Deus, teve sua imagem ofuscada, mas em sua experiência de conversão volta a ser reflexo e réplica perfeita de Elohim.Assim, a consciência espiritualizada e restaurada em Elohim é um vestígio de que o ser humano quando consciente de Deus e do evangelho volta ao estado original. Esta é uma cosmovisão que responde as duas séries fundamentais que todas as filosofias e religiões procuram responder: “Primeira série: onde estamos? Quem somos?” e a segunda série: “Que significa ser humano? Somos deuses ou simplesmente animais que se desenvolveram um pouco mais do que os outros?”.[1] As respostas a estas perguntas estão na cosmovisão bíblica e do entendimento da imagem de Deus no homem, pois, quando ele falha em sua vida, pecando ou deixando de testemunhar da obra redentora, sente-se culpado, sente não-humano, afastado de Deus.

 

A consciência de pecado é a prova de que a missão não está sendo cumprida, e confirma que o ser humano foi feito à própria imagem de Deus, sendo agora um representante Dele neste mundo. Isto significa que a graça divina reconstrói sua imagem outrora ofuscada pelo pecado, mas também o (re)coloca na posição de missionário, um encargo sagrado e privilegiado. Logo, terá também consciência de que sua tarefa dentro do reinado divino, pois

 

o Reino de Deus é maior do que a igreja. Neste sentido, a igreja deve entender que é parte do Reino, e seus membros devem ser estimulados a se envolverem e cooperarem com tarefas que expanda o reino [...] as missões não incluem somente salvação de pecadores, mas também a extensão do reino de Deus por toda terra, para glória de Cristo.[2]

 

Olhando as Escrituras como Palavra de Deus inspirada é fácil entender que a missão de Deus é também a missão de Seu povo. Assim, servir ao Rei é um privilégio que também contempla o reinar com/para ele, e visto assim, olhando

 

“de uma perspectiva missional, a afimação de que os seres humanos foram criados a imagem de Deus, junto com o contexto imediato das narrativas de Gênesis 1-3, implica pelo menos quatro outras verdades [...] Todos os seres humanos são capazes de ouvir a voz de Deus [...] Todos os seres humanos devem prestar contas a Deus [...] Todos os seres humanos tem dignidade e igualdade [...] O evangelho bíblico se aplica a todos.[3]

 

Porém, ainda entre os servos de Elohim, existem aqueles que não possuem um entendimento correto da missão de Deus no homem. Russel Shedd, numerou os mitos que cercam a missão,e disse, que há um mito acerca da tarefa missionária no que diz respeito do conceito simplista da tarefa missional:

Terceiro mito é a necessidade de evangelizar a pátria. Nunca vamos conseguir levar todos os brasileiros a conhecerem a Cristo. Sempre haverá casas, bairros, onde não existirá nenhuma luz para brilhar.[4]

 

É necessário resgatar o verdadeiro entendimento missionário na igreja. Fazer missões não é apenas fazer tarefas missionárias como ir a países estrangeiros, ou montar um estratégia de crescimento de igreja. Também não é apenas convencer alguém a levantar a mão no culto, ou ter um número de pessoas se reunindo nas casas. Tudo está relacionado a ideia de que cada salvo em Cristo, cada cristão é um representante de Deus no mundo.

 

A missão é “participar com Deus desta grandiosa história”[5], é assumir o papel outrora abandonado, pois a partir de uma cosmovisão bíblica que considera a criação como ato missional de Deus, a igreja pode representá-lo neste mundo. Conforme a igreja caminha, e é ensinada, só poderá fazer missões realmente se considerar a metanarrativa bíblica como pressuposto para uma teologia bíblica de missões, como exposto no quadro a seguir:[6]

 

1. A criação provê nossos valores e princípios fundamentais;

2. A queda nos faz descer as realidades penetrantes da perversidade humana e de satanás;

3. O Antigo Testamento nos mostra a abrangência do propósito planejado por Deus;

4. A encarnação nos convida a encarnarmos o Reino de Deus e sermos seus agentes por meio de Cristo;

5. A cruz e a ressurreição mostram e capacitam o compartilhar o poder da reconciliação, do amor, da esperança e paz;

6. O espírito Santo na igreja providencia direção para uma esperança futura da nova criação;

                                                                                 

Por ser um corpo formado à imagem de Deus, a igreja consegue cumprir sua missão. Logo, a capacidade de representar o seu Criador está autorizada na salvação concedida. Ainda que o pecado manchou a imagem, e passou adiante esta semelhança danificada a todos os seus filhos.[7]

 

A missão da igreja não pode ser dominada pelas doutrinas vistas como bíblicas se desconsideram a metanarrativa bíblica com seu ápice na cruz do calvário. A interpretação das Escrituras necessariamente precisa considerar a imagem de Deus no Homem, e não dentro de epistemologias modernas que desconsideram a narrativa da criação como verdade, nestas epistemologias o “conhecimento é construído pelas pessoas, a partir de suas culturas, costumes e histórias”[8] e não do plano de Deus para elas.

 

Ao ler as Escrituras a partir de uma “hermenêutica missional” percebe-se que existem dimensões que direcionam o plano de Deus para a expansão do Seu Reino, e dentre estas dimensões temos o tema da redenção, permitindo afirmar que a igreja pode ser representante no mundo, estando em plena condição para a tarefa, de forma que, quando Deus redime uma pessoa, Ele começa a restaurar a imagem original de Deus, criando o “novo homem, criado para ser semelhante a Deus em justiça e santidade”.[9]

 

As boas novas do evangelho precisa ser transmitida a partir destes conceitos da criação, pois a metanarrativa apresenta Elohim como “o Deus que criou o universo, ao vê-lo devastado pelo mal e pelo pecado, comprometeu-se em redimir e  restaurar totalmente toda a criação”[10]. É por este motivo que em Gênesis 1.26-28 as palavras kābash e rādâh[11] são pesadas. A missão da igreja é sujeitar,

exercer domínio dentro da criação. Ter domínio não é o que o constitui a imagem de Deus, mas o fato de  termos sido feitos a imagem de Deus nos capacita e nos dá o direito de exercer este domínio [...] A primeira palavra, sujeitar a terra, implica provavelmente não mais do que tarefa de agricultura [...] a segunda palavra, ainda mais específica, descreve a responsabilidade que os seres humanos e não foi dada a nenhuma outra espécie – a tarefa de governar e exercer domínio sobre todo o restante da criação.[12]

Elohim entrega sua criação aos cuidados do homem, que também é criatura. Logo, Ele estabelece mordomos de sua criação, o que remete ao cuidado de da casa do homem, lugar onde poderia viver em pleno gozo de seus comandos. Nas palavras de Wright, “Deus estabelece a espécie humana como sua imagem na criação e autoriza os seres humanos a exercerem autoridade”[13], isto significa ser co-regentes com Ele, ou seja, ainda que toda autoridade pertença a Deus, o homem, sendo imagem de Deus, ele é representante de Deus no mundo. Ele está autorizado a falar em nome de Elohim. Assim Deus age no mundo através da sua imagem divinizada no homem.

 

Pr. Wanderley Lima Moreira

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[1]WRIGHT, Christopher J. H. A missão o povo de Deus: uma teologia bíblica da missão da igreja. Tradução de WalériaCoicev. São Paulo: Vida Nova, 2012, p. 49.

[2]FERREIRA, Franklin; MYATT, Alan. Teologia sistemática: uma análise histórica, bíblica e apologética para o contexto atual. São Paulo: Vida Nova, 2007, p 1044.

[3]WRIGHT, Christopher J. H. A missão de Deus: desvendando a grande narrativa da Bíblia. Tradução de Daniel H. Kroker e Thomas de Lima. São Paulo: Vida Nova, 2014, pp. 440-442.

[4]SHEDD, Russel; Queiroz, E; COSTA, J. W. Aos que ainda não ouviram: desafios missionários rumo ao século XXI. São Paulo: SEPAL, 1993, p.35.

[5]WRIGHT, Christopher J. H. A missão o povo de Deus: uma teologia bíblica da missão da igreja. Tradução de WalériaCoicev. São Paulo: Vida Nova, 2012, p. 54.

[6]WRITHG, 2012, pp. 55-56.

[7]Romanos 5.12, In: Bíblia Sagrada Nova Versão Internacional. 9 ed. São Paulo: Sociedade Bíblica do Brasil, 2001, p. 879.

[8]MYATT, Alan. A teologia da libertação e o novo pluralismo religioso. In: Revista Batista Pioneira. Ijuí, RS: Faculdade Batista Pioneira, n.1. vol.3, p. 171, junho, 2014

[9]Efésios 4.24, IN: Bíblia King James Atualizada. São Paulo: Sociedade Bíblica Ibero-Americana, 2010, p. 977.

[10]WRIGHT, Christopher J. H. A missão o povo de Deus: uma teologia bíblica da missão da igreja. Tradução de WalériaCoicev. São Paulo: Vida Nova, 2012, p. 61.

[11]רָדָה do hebraico dominar, agir de forma que tenha controle sobre.

[12]WRIGHT, Christopher J. H. A missão o povo de Deus: uma teologia bíblica da missão da igreja. Tradução de WalériaCoicev. São Paulo: Vida Nova, 2012, p. 63.

[13]WRIGHT, 2012, p. 64.



[1]TselemElohim, transliterado do hebraico literalmente como imagem de Elohim. Conf. KITTEL, Rud (edit.); KAHLE, Biblia hebraica stuttgartensia. WürttemBergischeDeuttscheBibelgesellschaft, 1997.

[2]BÍBLIA SAGRADA NOVA VERSÃO INTERNACIONAL. 9 ed. São Paulo: Sociedade Bíblica do Brasil, 2001, p. 1.

[3]CARRIKER, Charles T. Missão integral: uma teologia bíblica. São Paulo: SEPAL, 1992.

[4]WRIGHT, Christopher J. H. A missão de Deus: desvendando a grande narrativa da Bíblia. Tradução de Daniel H. Kroker e Thomas de Lima. São Paulo: Vida Nova, 2014, p. 468.

[5]João 4.24. In: Bíblia Sagrada Nova Versão Internacional, 2001, p. 830.

[6]FERREIRA, Franklin; MYATT, Alan. Teologia sistemática: uma análise histórica, bíblica e apologética para o contexto atual. São Paulo: Vida Nova, 2007, p 422.

[7]FERREIRA, Franklin; MYATT, Alan., p 395.

[8]FERREIRA; MYATT, 2007, p. 402.