O que significa pensar: um ensaio sobre a fé e o pensar numa releitura de Heidegger
O QUE SIGNIFICA PENSAR?
UM ENSAIO SOBRE A FÉ E O PENSAR NUMA RELEITURA DE HEIDEGGER.
Por Wanderley Lima Moreira[1]
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O que será que será? Que anda nas cabeças anda nas bocas? Chico Buarque
INTRODUÇÃO
Nelson Rodrigues afirmou que “toda unanimidade é burra, quem pensa com a unanimidade não precisa pensar” (RODRIGUES, 1981, p. 368). Isto significa dizer que o conhecimento acerca das coisas mesmas pode ser banalizado na medida em que for dita e re-dita sem que tenha no dizer a mesma força original que a produziu. Quando afirmamos uma verdade, o fazemos considerando que o mundo está dividido em coisas de maior, menor ou sem nenhuma importância, e dentre as coisas de maior importância está o conhecimento. Desta forma, este ensaio busca fazer um re-leitura do texto de Martin Heidegger [2] “O que significa pensar” usando as lentes da do filósofo alemão, a fim de iniciar um diálogo entre a Teologia e Filosofia sobre o pressuposto de que a fé precisa ser racional, ou, dar espaço a ratio [3].
Palavras chave: pensar – filosofia – teologia – conhecimento – razão
O TEOLÓGO E A PRAXIS DO PENSAR
[1] Uma característica intrínseca da Filosofia está em sua própria natureza, que consiste em perguntar pelo óbvio. Sócrates já perguntava pelo óbvio, falando em praças públicas sobre o que é a virtude? o que justiça? O que o belo? O conhecimento? E era por vezes ironizado por tais perguntas. Desta forma, podemos de início fazer uma pergunta óbvia: O conhecimento é importante? Ou o que significa pensar?
[2] A igreja moderna, e, principalmente seus líderes tem caminhado na contramão da história. Há tempos que Filosofia e Teologia andavam de mãos dadas. Exemplos desta afirmativa podem ser visualizados nas obras de Agostinho, Tomás de Aquino e Calvino[4]. Falar em conhecimento nos arraiais “evangélicos” é como falar do demônio. Logo, o que prefere caminhar em direção ao conhecimento precisa pagar um preço maior do que deveria. Ser um líder de igreja e ao mesmo tempo, um acadêmico – no sentido amplo da palavra – é apresentar-se como um indivíduo que não tem fé, que não crê mais.
[3] Por outro lado, o conhecimento não é um produto de fácil aquisição. Não é algo que se compra, e logo se toma posse. Público, posição, carreira, púlpito e Diplomas são comprados, mas o pensar é um elemento difícil de ser adquirido. Deve ser então por isto, que, muitos líderes estão preferindo a emoção, o sentimento e ilusionismo místico em detrimento ao saber e do conhecer nas comunidades “evangélicas” [5]. Adquirir conhecimento ou formar-se é algo tão importante e urgente que para obtê-lo sacrificamos um pedaço de nossas vidas e adimos vários projetos pessoais.
[4] A fim de responder o que significa pensar, Heidegger trabalha seu texto fazendo apontamentos sobre quem é o homem que realmente quer pensar:
Assim que nos envolvemos no aprender também já conhecemos que ainda não somos capazes de pensar. Mas o homem, este denomina-se aquele que pode pensar, e isso, com razão, pois ele é ser vivo racional. A razão, a ratio, desdobra-se no pensar. Como ser vivo racional o homem deve poder pensar, desde que queira (HEIDEGGER, 2005, p.125).
[5] O conhecimento está formatado o tempo todo na aula. O que é aula? É qualquer momento em que as idéias são postas diante de uma possibilidade de dizer se é ou não uma boa idéia. O conhecimento acontece na aula. Aula é na maioria das vezes, um assassinato, como diz Ortega y Gasset [6]:
Uma aula é um acontecimento de forte dramatismo para o que a dá e para os que a recebem. Quando não é isto, não é uma aula senão uma outra coisa – talvez um crime – por que é uma hora perdida e a vida é tempo limitado e perder tempo é matar a vida, praticar um assassinato (ORTEGA Y GASSET, 2000, p. 13).
[6] No fim das contas, quando o indivíduo que procura ser um “sacerdote” boicota a aula, seja, faltando-a ou sendo desonesto nos compromissos para com esta aula ele está assassinando mais elementos: a práxis[7] da Missão, o conhecimento da comunidade e o seu pensar. Neste universo de conhecimento em que está inserido, ele acaba por desinteressar-se pelo conhecimento e esquece-se de pensar. Logo, como disse Heidegger, “o homem durante séculos já tenha trabalhado demais e pensado de menos” (HEIDEGGER, 2005, p. 127).
[7] Para que sejamos capazes no pensar, precisamos da práxis. Mas esta exige disciplina, e na academia Teológico-Filosófica, disciplina é sinônimo de leituras e re-leituras intermináveis. Para isso, é preciso aprender a ler. O que é aprender? “O homem aprende à medida que ajusta o seu procedimento em correspondência ao que lhe é essencial” (Ibid, p. 127). Desta forma, o pensar é o resultado qualitativo da reflexão crítica de seu objeto de estudo. Assim, cada líder de igreja precisa ter consciência de que além do estudo da bíblia que contém a Palavra de Deus – a saber, o Cristo – ele deve ter acesso a obras que também respondem as perguntas que são intrínsecas ao homem. Ele deve ter prazer em ler os filósofos. Assim, o interesse aguçará a práxis teológica, a busca do conhecimento.
O TEÓLOGO E O INTER-ESSE
[8] A crítica é o resultado de um espírito[8] que não está satisfeito com o senso comum. A igreja precisa de uma liderança crítica, que estabelece parâmetros a partir da razão e não apenas da fé. É preciso haver um interesse em pesquisar o que é “pensado” e ensinado nos púlpitos. Mas para isto, é necessário perceber que “podemos aprender o pensar apenas se desaprendermos fundamentalmente a sua essência habitual” (Ibid, p. 131). Isto significa dizer, que, é preciso dar um salto em direção ao pensar. Fazendo alusão ao salto kierkegaardiano[9], Heidegger observa que: “não há ponte alguma, mas somente o salto [...] temos que suportar o escandaloso do pensar” (Ibid, p. 130).
[9] No interesse pelo conhecimento, o teólogo não pode viver isolado, num academicismo bairrista, excludente e dogmático. Ele precisa interessar-se por todas as correntes teológicas e filosóficas, pois todas falam uma verdade sobre a vida humana e seu destino no tempo. Inter-esse significa: estar misturado e entre as coisas, estar em meio a uma coisa. Mas para o interesse de hoje vale apenas o interessante o lugar-comum. Logo, o pensar, que não emerge a partir dos modismos, surge a partir de re-flexões de pressupostos que são “pré” [10].
[10] Pensar é formatar interesse pelo objeto de estudo no consciente, onde cada um é educado e educa, constrói um conhecimento levando em conta o tempo de vida e a própria existência. Assim, pensar é levar a sério todos os pressupostos num diálogo inter-religioso a partir de uma cosmovisão que considera significante todas as culturas e formas de pensamento, mas o que significa pensar? “O que significa nadar, por exemplo, nunca aprendemos por meio de um tratado sobre natação. O que significa nadar apenas o salto na correnteza nos diz” (HEIDEGGER, 2005, p. 137), racionalizar sobre a ratio.
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REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS
- HEIDEGGER, Martin. O que significa pensar? Tradução de Paulo Rudi Schneider. Ijui, RS: EditoraUnijuí, 2005 (Coleção Filosofia – UNIJUÍ, nº 17).
- HOLLANDA, Chico Buarque de. O que será? (A flor da pele). Interprete: Chico Buarque. In: Meus caros amigos. Chico Buarque. Manaus: Phillips, 2003. Faixa 1.
- NORMATIZAÇÃO DE REFERÊNCIAS: NBR 6023:2002. Vitória, ES: UFES/ Biblioteca Central, 2006.
- NORMATIZAÇÃO E APRESENTAÇÃO DE TRABALHOS CIENTÍFICOS E ACADÊMICOS. Vitória, ES:UFES/Biblioteca Central, 2006.
- ORTEGA Y GASSET, José. Meditación de La técnica y otros ensayos sobre ciencia y filosofia. Madrid, Espanha: Alianza Editorial, 2000 (obras de José Ortega y Gasset)
- RODRIGUES, Nelson. Teatro Completo de Nelson Rodrigues. Organização e Introdução de Sábato Magaldi. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1981 (v.1).
[1] Wanderley Lima Moreira é pastor Batista, formado em Teologia pelo SEBIV (Seminário Bíblico de Vitória), estudante de Teologia pelo CETEBES 8º período, Licenciando em Letras pelo IFES e Bacharel em Administração pela Faculdade Estácio de Sá. Está pastoreando na Missão Batista em Morrinhos.
[2] Martin Heidegger (1889 -1976) foi um filósofo alemão é uma dos mais importantes filósofos do século XX - ao lado de Bertrand Russell e Michel Foucault. Sua obra considerada “coisa de gênio” é “Ser e Tempo”. Tratou do problema do ser e re-fundou a Ontologia.Foi grande Influenciador de Jean-Paul Sartre.
[3] Conceito muito presente em Heidegger, principalmente em seu livro “A época da imagem do mundo”.
[4] As Institutas de João Calvino possui abordagem retórica e uso comum de diatribe.
[5] Considerando a banalização religiosa vigente, refiro-me a evangélico a qualquer pessoa religiosa.
[6] José Ortega y Gasset. foi um filósofo espanhol, importante ativista político e jornalista.
[7] do grego praxix, significa literalmente ação. Designa atividade prática;ação, exercício,uso.
[8] Ser-em –Si, conceito Heidegeriano.
[9] Refere-se ao Filósofo dinamarquês Sören Kierkegaard.
[10] Anterior a.