O TEMPO DO PLURALISMO RELIGIOSO .

08/12/2011 12:22

Quanto mais secular e tecnológica é uma sociedade, mais mística é. Quem vive neste final de século é testemunha desta realidade. A permanência do misticismo é uma indicação clara de que a vida não se esgota na satisfação das necessidades materiais.

 

Quanto mais educada e rica é uma sociedade, mais religiosa é. Quem vive neste final de século é testemunha desta experiência. A permanência das igrejas é um sinal evidente de que a vida não se esgota no plano racional e que o ser humano tem necessidades espirituais que só a religião preenche.Nenhuma pessoa pode descansar, seja ela instruída ou analfabeta, pobre ou rica, enquanto não descansar em Deus, como diria Agostinho (cristão do século 4).
 
É esta dimensão que explica o fato de adorarmos a Deus em nossas casas e em nossas igrejas. Esta dimensão também explica que os outros indivíduos procurem atender de forma diferente suas carências espirituais. O pluralismo religioso é uma conseqüência disto.
 
O misticismo é uma resposta à negação da atuação divina na vida humana. Os cristãos somos místicos. O apóstolo Paulo nos recomenda, por exemplo, a ter
a mente de Cristo (1 Co 2.16), o que só se pode alcançar misticamente. A oração é uma experiência mística profunda. Por ser assim profundo, nosso misticismo incomoda quem é completamente secular e vivem como se Deus não existisse. Curiosamente, os misticismos dos outros, por serem diferentes do nosso, também nos incomodam.
 
Ao tratar dos misticismos contemporâneos, não podemos nos esquecer disto.
O cuidado, no entanto, não nos deve impedir de considerar as experiências religiosas dos outros. Devemos fazê-lo, mas com cuidado, para não cometer com os outros o que cometem conosco.
 
OS MISTICISMOS DOS OUTROS
As experiências místicas de formação recente — como aquelas que são manifestam nos chamados novos movimentos religiosos e em algumas seitas — são as que mais despertam interesse. As necessidades espirituais são atendidas por religiões, igrejas (ou denominações), seitas e movimentos.
 
Religiões são grandes sistemas que comportam igrejas e seitas e também pode gerar movimentos independentes.
As igrejas (ou denominações) reorganizam teológica e eclesiasticamente as doutrinas e práticas de uma religião. Os batistas, por exemplo, formam uma igreja (ou uma denominação).
 
As seitas são agrupamentos no interior de uma igreja e geralmente se centralizam em torno de um líder e de um conjunto de regras doutrinárias e práticas. Em linhas gerais, elas surgem voluntariamente no interior de igreja estabelecida, recrutam adeptos pela conversão ou aceitação da sua doutrina, impõem um rígido código de ética (escrito ou não) e mantêm uma atitude de afastamento da sociedade.
 
Os movimentos formam um conjunto de crenças não-estruturadas que se colocam à margem das religiões e das igrejas. Eles atraem uma população provinda em grande parte de setores sociais não religiosos. Seus adeptos, comumente recrutados na classe média instruída, formam uma espécie de universo próprio, onde aparecem práticas distintas como a alimentação vegetariana, a crença em discos voadores, a meditação da yoga, a crença na reencarnação, o interesse religioso pelos fenômenos parapsicológicos e paranormais, a crença em horóscopos, tarôs e outras práticas de advinhação. Eles apareceram no cenário após a segunda guerra mundial. Nos anos 60, reapareceram como parte do movimento rebelde conhecido como contra-cultura.
 
Por que esses movimentos e essas têm fascinado tanta gente? Eis aqui algumas possibilidades de resposta:
  • são uma resposta ao relativismo resultante da desintegração da ética.
  • exigem um grau de compromisso bem diferente do cristianismo tradicional;
  • têm a capacidade de traduzir a espiritualidade em ações práticas diárias, o que lhe permite repensar e reeducar a relação entre as dimensões espirituais e materiais do ser humano;
  • constituem respostas às transformações sociais, proporcionando a seus membros um instrumento para viver neste mundo.

 

DISCERNINDO OS ESPÍRITOS
Para compreender-se os movimentos e seitas, precisamos evitar dois caminhos: o etnocentrismo e o indiferentismo.
 
O etnocentrismo é a atitude de ver os outros a partir de nós. Nós somos os certos e os outros os errados. Assim, estaremos sempre corrigindo os erros desses movimentos e seitas; o risco será incorrer em fanatismo, porque esqueceremos os nossos próprios.
 
Nossa preocupação será apenas com o crescimento interno. Correremos o risco de dirigir o programa da igreja para uma espécie de marketing religioso de manutenção da freguesia, como se pudéssemos vender a verdade do Evangelho, como se vende sabonete. Mesmo que os outros façam isto, o nosso compromisso com o Deus de Jesus Cristo não nos autoriza a agir desta forma.
 
O indiferentismo pode parecer tolerância religiosa, mas não é. Não é boa atitude, porque revela também uma forma de etnocentrismo. O relativismo absoluto, para o qual todas estas expressões igualmente verdadeiras, é irresponsável, no sentido de que ignora os elementos possivelmente nocivos deste ou daquele movimento.
 
Como cristãos, cremos que o cristianismo é a religião verdadeira, no sentido de que professa a verdade, o filho de Deus, Jesus Cristo. A conseqüência prática é que, assim como não dispomos de um monopólio sobre a verdade, não podemos também renunciar a professar a verdade. Tanto o diálogo com outras expressões religiosas quanto o nosso testemunho diante delas devem acontecer na certeza da fé, sem que renunciemos ao caráter normativo e definitivo de Jesus Cristo.
 
Não devemos trilhar o próprio caminho de maneira teimosamente dogmática, desinformados sobre os outros caminhos, sem compreensão, sem tolerância e sem amor para com os que pensam diferente de nós. Não devemos simplesmente tomar outros caminhos, insatisfeitos com o nosso próprio e fascinados com as novidades que esses pareçam conter.
 
Em nosso caminho, ao olhar aqueles que são diferentes de nós, precisamos nos modificar continuamente, de modo que nossa fé seja criativamente enriquecida. Assim, não sacrificaremos a verdade em nome da liberdade, nem a liberdade em nome da verdade, pois que nossa tarefa é exercitar as duas.
Discernimento dos espíritos é isto. Quando Jesus recebeu em casa o paralítico, em Cafarnaum, além de curá-lo, pôde denunciar a hipocrisia dos escribas presentes, porque soube discernir o que criam e pensava. A nossa tarefa evangelizadora hoje exige o discernimento. Se não, seremos levados pela ingenuidade.
 
Devemos tomar cuidado para não sermos mais rigorosos do que o próprio Jesus, que declarou que quem não entra contra ele era por ele (Mt 12.30). Na mesma linha de cuidado, não podemos esquecer a recomendação paulina de nos deixarmos levar por qualquer novidade religioso ou vento de doutrina (Ef 4.14).


ISRAEL BELO DE AZEVEDO