Teísmo Aberto (por Franklim Ferreira)
Mais recentemente, na metade do século XX, arminianos radicais, como o já citado Clark Pinnock, Richard Rice, Greg Boyd, John Sanders e David Basinger, reconheceram que se Deus prevê algo, então este forçosamente vai acontecer – em outras palavras, a presciência de Deus também é uma limitação do livre-arbítrio e, por isso, eles negaram que Deus conheça o futuro. Deus só conhece as possibilidades futuras. Nessa altura devemos fazer uma pergunta provocadora: quem criou o que Deus
prevê? – se a resposta a esta pergunta for eco do ensino bíblico, só se pode concluir que Deus determinou aquilo que ele quer que aconteça, já que ele é o criador de todas as coisas. Mas, para tais autores, não havia como crer numa autonomia do ser humano mantendo a crença tradicional da onisciência divina. Dessa forma, esses escritores reinterpretaram os atributos de potência e onisciência em Deus. Segundo eles, Deus ao criar o ser humano, o criou livre dos seus atributos de poder e onisciência. Assim, o chamado teísmo do livre-arbítrio (ou teísmo aberto) é um modelo novo, uma tentativa de encontrar uma posição mediana entre o teísmo clássico e a teologia do processo.2
O teísmo aberto pode ser resumido em quatro proposições:
1. O conhecimento que Deus tem de todas as coisas não é estabelecido na eternidade;
2. Sua presciência não é exaustiva, porque ele se auto-limita;
3. Seu relacionamento providencial com o mundo não é meticuloso;
4. O futuro não está totalmente seguro.
A ideia da responsabilidade moral exige que acreditemos que as ações não são determinadas, nem interna nem externamente. Uma importante implicação desta forte definição de livre-arbítrio é que a realidade permanece, em certa extensão, aberta, e não fechada. Isto significa que uma novidade genuína pode aparecer na história, que não pode ser prevista por ninguém, nem mesmo por Deus. (...) Tal conceito implica em que o futuro realmente está em aberto, e não disponível à exaustiva presciência nem mesmo da parte de Deus. Fica bem claro que a doutrina bíblica do livre-arbítrio humano exige de nós que reconsideremos a perspectiva convencional da onisciência de Deus.5
Em outras palavras, o que se infere é que quase que a totalidade da tradição cristã, incluindo aí o arminianismo clássico, desde o primeiro século até agora, tem afirmado uma noção equivocada quanto à natureza de Deus – mas, felizmente, no fim do século XX, Pinnock, Sanders e outros conseguiram finalmente entender a verdade! Essa postura soa arrogante quando se observa que a Escritura é clara ao refutar tal ensino. Uma rápida checada nas Escrituras mostra que um dos fatores que distingue o Deus verdadeiro de Israel dos falsos deuses é precisamente o fato de que Deus conhece o futuro absolutamente e, assim, é capaz de predizer o que acontecerá com certeza (Is 46.10). Os planos de Deus não são frustrados (Sl 33.10-11), porque ele faz tudo segundo o conselho da sua vontade (Ef 1.11).
Não é muito difícil prever para onde estas pessoas se moverão, se elas seguirem a lógica de sua própria posição. Eles brevemente abandonarão a doutrina cristã do pecado original, porque ela será vista como incompatível com o livre-arbítrio de todo ser humano que entra neste mundo (conforme Pelágio). O passo lógico seguinte é renunciar a expiação substitutiva penal, como tem frequentemente acontecido no liberalismo e até mesmo no arminianismo. Quando a expiação se vai, não há nenhuma grande necessidade de se manter a deidade de Cristo, e quando isto se vai, geralmente se descarta a doutrina da Trindade. Então, a pessoa estará em pé de igualdade com o socinismo, que é o último passo antes da total negação do cristianismo. Na outra direção, a sedução da teologia do processo, que os presentes autores são ávidos em repelir, indubitavelmente exercerá algum poder sobre suas mentes. Quando alguém lê este livro, tem a impressão de que muitas vezes algumas páginas foram escritas por John Hick.6
Para concluir, precisamos notar que alguns dos defensores do teísmo aberto têm afirmado que este seria uma recuperação da cosmovisão judaica, afastando a fé cristã das influências da filosofia grega. Mas é necessário perguntar: que cosmovisão judaica? Ao se estudar a literatura judaica antiga, o que fica evidente, por um lado, é o desprezo destes pela cultura helênica e, por outro lado, a ênfase na onipotência absoluta de Deus. Basta um pouco de familiaridade com alguns dos textos de Efraim Urbach, Akiba, Tanchuma bar Abba, Hanima, Joshua ben Hananiah, entre outros, para perceber esta diferença. A ideia básica do antigo judaísmo é que Deus dirige todos os atos dos homens rumo ao fim que ele mesmo estabeleceu. E é nesse ponto que o judaísmo antigo foi mais acentuadamente contrastado com o paganismo. No fim se descobre que não existe nada novo nas atuais posições dos defensores do teísmo aberto que não tenha sido ensinado no passado, por Heráclito, por exemplo, ou, na atualidade, pelos adeptos da teologia do processo.7
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2Heber Carlos de Campos, “O teísmo aberto: um ensaio introdutório”, em Fides Reformata, v. 9, n. 2, p. 34: “O Teísmo Aberto tem afinidade com o arminianismo de um lado e com o Teísmo da Teologia do Processo, de outro. À semelhança do arminianismo, o Teísmo Aberto crê que o conhecimento de Deus é dependente das escolhas humanas, mas, em contraste com o arminianismo, o Teísmo Aberto rejeita a ideia de que Deus tenha um conhecimento exaustivo das coisas. O arminianismo clássico nunca sustentou essa visão do futuro aberto”.
3Heber Carlos de Campos, “O teísmo aberto: um ensaio introdutório”, p. 38.
4Cf. Clark Pinnock (ed.), The openness of God e John Sanders, The God who Risks; a theology of providence.
5Clark Pinnock, “Deus Limita Seu Conhecimento”, em David Basinger e Randall Basinger (ed.), Predestinação e livre-arbítrio, p. 182-183.
6Roger Nicole, resenha do livro Clark Pinnock (ed.), The openness of God; a Biblical challenge to the traditional understanding of God, disponível em: https://www.monergismo.com/textos/presciencia/open.htm, acessado em 10.12.2005.
7Cf. especialmente Russell Fuller, “Os rabinos e as declarações dos defensores do teísmo aberto”, em John Piper, Justin Taylor e Paul Helseth, Teísmo aberto; uma teologia além dos limites bíblicos, p. 27-49.https://www.vidanova.com.br/teologiadet.asp?codigo=198